Escrevo, logo existo!


Inquietações. Interditos. Passagem do tempo. Enfermidades. Encontro com a morte. Confissões. Segredos pessoais e familiares. Banalidades. Cotidiano. Busca de transcendência para além das limitações do humano.


Eis algumas das matérias de vida que compõem um diário, registros individuais que podem durar uma fase ou percorrer toda a trajetória vital. Alguns se transformam em fonte histórica, geram romances, fimes. Outros são queimados pelo autor ou por familiares para impedir a descoberta do seu conteúdo. Todos são exemplos de narrativas de vidas, de escritas pessoais. Afinal, “existirmos: a que será que se destina?”


Enquanto um romance pressupõe um projeto de escrita, um diário não contém noção de futuro nem previsão de quando ou como vai acabar. Simboliza a necessidade de se autonarrar, de buscar uma interlocução, real ou imaginária, capaz de parar o tempo e preservar os vestígios existenciais do seu autor. Entretanto, nunca se está só quando se escreve um diário, pois o Outro está sempre presente no ato narrativo. “Não quero escrever bonito. Não estou visando o público nem qualquer leitor isolado. Estou escrevendo simplesmente”, adverte o cronista Antônio Maria em seu Diário.


Será o diário o espaço privilegiado da confissão? Ou será o da mentira? O ato de contar, de passar pela linguagem, de criar sua própria poética, não faz de cada diarista um autor de uma ficção única e singular? “[...] tenho passado a vida à procura de deus mas agora não o quero mais”, registra Torquato neto em seu diário de Engenho de Dentro.


Diários: do segredo à revelação desvela a apropriação das delicadas tramas pessoais por processos de criação artística: mostra de diários filmados e de filmes inspirados em diários, oficina, palestras, leitura dramatizada. Essas propostas expõem: a inquietação criativa de experimentar novas linguagens, de buscar voz própria a partir de experiências alheias, o desejo de exercitar autonarrações, a curiosidade intelectual de refletir sobre as variadas expressões pessoais, a construção dramatúrgica da aventura humana sem levar em conta espaço e tempo.


A contemporaneidade voraz nos prende num presente eternizado sem passado e sem futuro. No entanto, não consegue apagar o desejo tão humano de inscrever, compreender e elaborar sua história, independente do suporte.
Os diários escritos de forma secreta, com cadeados garantindo sua inacessibilidade, ou postados em um blog visível a olhos estranhos, mantêm vivo o mistério que requer ser decifrado: o das relações entre tempo, memória, ficção.

 

BETCH CLEINMAN