Pina Coco

É tudo verdade?

Primas Pobres da Literatura
 

Joaquim Paiva

Diários de Joaquim Paiva
 

Sérgio Barcellos

Diário:
O que é, ou, mode d´emploi



Diários de Joaquim Paiva
 

Comecei a escrever os meus diários em agosto de 1998 em Buenos Aires, onde trabalhava, e continuo-os até hoje (27 dez 2016), no Rio de Janeiro, são 136 diários até agora, são relatos do cotidiano, relatos íntimos de vida, reflexões, citações, leituras, são diários literários, digamos, mas também grandemente visuais pelas cores utilizadas para escrever, cobrir páginas, rabiscar, borrar, desenhar, pelas colagens que faço ou imagens que colo nas páginas, são bonitos cadernos comprados ou conjuntos de diferentes papeis que faço de cadernos para escrever e que depois guardo em caixas que mando fazer.

São uma forma de expressão artística, juntamente com a minha dedicação à fotografia. Morei em vários países.

Diário nr. 75, Madrid 30 ago a 30 out 2005. 10 set 05:

A vida é uma obra inconcluída. O artista tem sempre ideias, projetos, mais do que pode executar. A sensação de angústia, ansiedade, frustração é grande. Para que criar ainda mais? Por outro lado, por que não? O artista não tem trégua. A sua obra, o seu trabalho é a sua vida. A obra do artista é um acúmulo de fiapos, restos que ele aproveita, recicla, constrói e reconstrói. A obra do artista é eclética, é um conjunto de fases, momentos e uma constante experimentação de ideias, técnicas e materiais. O que une a obra do artista pode ser a própria pluralidade que, por mais variada que seja, conterá um certo estado de espírito, um certo modo de ver, de sentir e perceber a realidade e o mundo. A memória, o devaneio, a fantasia, o sonho, a beleza, a sensualidade, a cor – são a matéria que mobiliza o artista, que o inspira e com a qual trabalha.


Diário nr. 23, Lima 15 mai a 7 ago 2000

17 jun 2000, sábado

Esta precariedade, aqui, queria estar em outra parte, em poucos meses nova mudança internacional, já não estarei aqui, vivo ansiando por um lugar definitivo, onde me estabelecer, mas não existe lugar definitivo, só as cinzas em urna de meu corpo cremado, mas nem assim, elas se espalharão pelos ares, esta precariedade, este desejo de viver para uma coisa só – a minha paixão pela fotografia – mas não existe uma coisa só, existe tudo ao mesmo tempo, e a mente se inquieta, onde está a unidade?  Não há unidade, sou pedaços, fiapos, soltos, sem conexão, embora às vezes até que bem costurados, sofro. Esta precariedade que me acompanha sem cessar.

02 jul 2000, domingo

...versos gravados com ladrilhos  em um muro no Parque del Amor, em Lima:  La poesia puede hacer dulce el veneno.


Diário nr. 35, Brasília 13 a 26 out 2001        

Houston, 22 out 01

Não sinto  apego a este apartamento.  Ele ainda é frio, não tem o calor do uso.  Mudo de casa em casa, preferiria estar ainda mais precário, em  um quarto de hotel, um hóspede, passageiro, não me sinto parte aqui, desgarrado.


Diário nr. 46, Brasília 20 a 27  nov 2002 e 11 jan a 07 fev 2003

San Francisco, 12 jan 03, domingo

Deixei o hotel, talvez nunca mais ponha os pés lá.  A partida implica sempre esta possibilidade, esta quase certeza – de quantos lugares parti e aos quais jamais regressarei?

As minhas passagens constantes por tantos lugares já criaram em mim certo desprendimento, desapego.


Diário nr. 55, Brasília, 27 ago a 05 out 2003

03 set 03, quarta-feira

A realidade ataca fere espicaça incomoda faz mal ao estômago provoca náusea “harass” açoita flagela belisca fura chicoteia como me abraçar a ela?  Repele afasta vejo-a todos os dias.


Diário nr. 64, Brasília, 06 mai a 10 jun 2004

20 mai 04, quinta-feira

Sete da manhã.  Luz dourada lá fora:  é a mais bela época do ano.  A realidade me assusta todos os dias.  Há 58 anos vivo, há 58 anos a realidade me assusta!


Diário nr. 74, Madrid, 23 jun a 27 ago 2005

26 jun 05, domingo

Um príncipe mouro, durante a dominação árabe na Espanha, mandou plantar sândalo nos arredores do palácio, para que o vento trouxesse o perfume das árvores e a sua amada pudesse se lembrar da terra natal - o Líbano.


Diário nr. 89, Rio de Janeiro, 18 out a 23 dez 2007

09 dez 07, domingo

O que você faria se não tivesse medo?



Diário nr. 99, Rio de Janeiro 28 jul a 22 out 2009

12 out 09, segunda-feira

O capitão Ahab deixou cair uma lágrima no mar
        (de um dos personagens de Moby Dick)



Diário nr. 104, Rio de Janeiro 12 mai a 21 jun 2010

Brasília, 20 mai 2010

Aos 64  de idade, a vida já seja talvez um baralho de cartas jogadas, de cartas marcadas.  A que baralho pertenço?  Carta dentro ou fora do jogo, uma carta...


Diário nr. 121, San Francisco 14 fev a 06 jun 2013

23 fev 2013, sábado

Sobre diários                             

Não quero que os diários sejam demasiadamente centrados em mim.  Não é fácil escapar disto.  São autobiográficos, crônicas do dia-a-dia.  Começo a lamentar que não sejam relatos do disse-me-disse. Prefiro, entretanto, o relato de um artista, de um temperamento, de um ser humano diante da finitude, de uma pessoa que não se cansa de admirar a beleza do mundo, que dela necessita, que se assusta sempre com a realidade, mas que é consciente do privilégio de estar vivo.  É difícil não se repetir ao longo dos diários, mas prefiro pensar as repetições como obsessões, como ritmos, como construções... ah!... ¿qué sé yo?


Diário nr 123, San Francisco 9 set a 6 nov 2013

13 out 2013, domingo

Quarta-feira começa a minha última mudança de país. Tudo será embalado, colocado dentro de um contêiner em um navio que zarpará do porto de Oakland, Califórnia, para o porto do Rio de Janeiro.  Longa viagem farão minhas pequenas preciosidades:  meus negativos, algumas fotografias e meus 122 diários de vida.


JOAQUIM PAIVA